Suzana Melo, gestora da Clínica do Rim de Vitória de Santo Antão (PE): ‘Temos levado muitos prejuízos, mas sabemos que se não dialisarmos o paciente pode morrer’. Foto: Divulgação
Suzana Melo, gestora da Clínica do Rim de Vitória de Santo Antão (PE): ‘Temos levado muitos prejuízos, mas sabemos que se não dialisarmos o paciente pode morrer’. Foto: Divulgação

Clínica do Rim de Vitória de Santo Antão é uma unidade privada, mas que depende totalmente dos recursos que recebe do sistema público de Saúde, a qual vem sendo impactada diante dos efeitos da pandemia da Covid-19, marcadamente dos usuários que precisam de hemodiálise. Esse tipo de prestação de serviço vem sofrendo em todo o País, prenunciando o colapso de Saúde que o Brasil pode viver em breve, causado pela falta de hemodiálise, que hoje fornece suporte à vida a 140 mil brasileiros.

A nefrologista Suzana Morais de Oliveira Melo, gestora da clínica, conta que a Clínica do Rim de Vitória tem levado muitos prejuízos. A clínica está endividada e corre o risco de fechar ainda em 2021. Se isso acontecer, 329 pacientes de seis municípios ficarão sem o atendimento e terão que ser transferidos pela Secretaria de Saúde local para unidades mais distantes, e 82 funcionários serão demitidos.

A unidade de seis sócios atende no local há 20 anos, com todos os pacientes vindos do SUS.

A gestora da clínica conta que os prejuízos vêm se acumulando mês após mês: “Nosso equilíbrio financeiro já era apertado por causa da falta de reajuste da tabela do SUS há mais de quatro anos. A situação se agravou demais na pandemia, com a subida astronômicas dos (preços dos) insumos e os custos de equipamentos novos de proteção e afastamentos de funcionários. Hoje, meus custos mensais são de R$ 930 mil, e minhas entradas são de R$ 860 mil”.

A gestão tem usado empréstimos para honrar a folha de pagamento e feito todos os cortes possíveis: três médicos já foram demitidos. Exames complementares oferecidos aos pacientes, como raio-x e ultrassonografia, foram cortados.

O almoço, essencial para a recuperação no meio das sessões cansativas de diálise, foi substituído por um lanche. A clínica também deixou de investir em novos equipamentos de diálise, que ficam obsoletos em 10 anos.

Segundo a gestora, os sócios também não recebem remuneração há meses. “Antes eu ainda tirava R$ 6 mil por mês pra me sustentar, mas agora nem isso eu tenho mais. A minha vida pessoal se tornou um caos, eu e a clínica estamos no limite”, afirma Suzana. “Nossa empresa se endividou por causa da tremenda inflação dos insumos”, conta.

Em março de 2020, quando eclodiu a crise do coronavírus, o preço dos insumos hospitalares disparou por causa das dificuldades de fornecimento do mercado chinês, do aumento da procura e da disparada do dólar.

SUFOCAMENTO ECONÔMICO

Das 820 unidades de diálise abertas hoje no País, pelo menos 710 são privadas. Apesar disso, elas prestam serviço ao SUS e são responsáveis por 85% dos atendimentos dos pacientes do sistema, conforme informações do último Censo Nacional de Diálise da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN).

As unidades privadas recebem do orçamento da saúde por procedimento realizado, com base numa tabela que não é reajustada há quatro anos, e isso explica parte dos problemas que o setor vem experimentando: atualmente, o valor pago pelo SUS por sessão de hemodiálise é de R$ 194,20.

O último reajuste foi em janeiro de 2017, quando a remuneração da sessão passou de R$ 179,03 para o valor atual. Se corrigido pela inflação medida pelo IGP-M, em janeiro de 2021, esse valor deveria ser de R$ 281,63.

De acordo com Carlos Octávio Ocké-Reis, economista do Ipea e especialista em economia da saúde pública, o fenômeno de degradação da saúde pública tem ligação direta com a emenda constitucional 95, a PEC do teto de gastos, que criou um novo modelo de financiamento do SUS a partir da inflação passada.

“A implantação dessa política num País que já apresentava um sistema universal de saúde subfinanciado mostra seus resultados nefastos nas filas de cirurgia eletiva, consultas com especialistas e tratamentos de média e alta complexidade como a diálise. De lá pra cá, o gasto público per capita com saúde vem diminuindo a passos largos”, explica.

É nesse cenário de arrocho de remunerações do SUS que a capacidade financeira das clínicas de hemodiálise tende a se debilitar mais. A salvação nos últimos anos tem sido atender planos de saúde privados, que remuneram melhor, para equilibrar a defasagem do SUS e fechar a conta.

“Quem gere clínica de diálise sabe que uns 15% de pacientes de convênio equilibram os 85% atendidos pelo SUS”, afirma José Roberto, da clínica de Itabaiana (SE).

Entre os grandes do mercado, a lógica se assemelha: “uma clínica que só atende pacientes do SUS não funciona. Mesmo uma clínica com um mix razoável com convênios particulares já sofre muito e não consegue se sustentar”, afirma o presidente da DaVita no Brasil.

A pandemia só veio para intensificar essa situação. (…) Muito em breve, o SUS vai sofrer um colapso porque os pacientes não terão onde ser atendidos e migrarão para os hospitais públicos, que não têm capacidade de absorver nem 5% da demanda desse tipo de paciente – que piora muito rápido quando não têm acesso aos cuidados”.

Com informações da BBC News Brasil